“A melhor maneira de tratar uma crise é preveni-la”

Entrevista com Jaime Avila, CEO da Recursos do Mercado, na qual discutimos aspectos relacionados com a crise que a News Corporation, grupo de media de Rupert Murdoch, está a atravessar após o escândalo das escutas ilegais do News of the World.

No site da Recursos de Mercado (RdM), li que o seu valor diferencial como agência não é a Comunicação de Crise. O que é que eles querem dizer exactamente com isto?

Conta-se a história de um presidente de uma empresa que, perante uma situação complexa, pediu aos seus conselheiros a pessoa ideal para ocupar um cargo tão delicado. Depois de lhe ter apresentado uma série de candidatos que tinham lidado com sucesso com crises nos seus respectivos departamentos ou áreas de responsabilidade, o presidente perguntou-lhes: e … não temos ninguém que nunca nos tenha colocado em apuros?

A melhor maneira de lidar com uma crise é evitá-la ou, se ela ocorrer, fazer com que passe quase despercebida. O resto são brindes ao sol e gestos para a galeria que em nada ajudam o cliente e, por vezes, só o prejudicam. Nunca deixo de me surpreender com as agências que, para demonstrar o seu know-how, sempre que têm oportunidade, reavivam as crises dos seus clientes na memória geral para mostrar que as suas actuações foram muito bem sucedidas.

O que pensa das recentes declarações de Steven Fink, Director Executivo da empresa de gestão de crises Lexicon Communications Corp. para www.cnnexpansion.com relativamente ao caso Murdoch?

Numa crise, antes de mais, é preciso envolver a própria organização. Temos de ser capazes de cerrar fileiras, o problema é um problema de todos e, de uma forma ou de outra, vamos todos ultrapassar a situação. Do meu ponto de vista, Murdoch e a sua equipa foram muito claros: a pior coisa que lhes podia acontecer era que funcionários descontentes divulgassem informações indesejadas de dentro da própria organização. Neste caso, atrever-me-ia a dizer com quase toda a certeza que seguir as recomendações de Fink, quando este afirma que “deviam ter expurgado os malfeitores e ter trazido uma equipa de jornalistas respeitável e credível para dirigir o navio”, teria sido um suicídio.

Como é que se envolve a organização num caso como este?

O que para o Fink é uma estratégia estranha que não cheira bem “Não nos apressamos a defender alguém tão perto do fogo”, para mim é uma estratégia óbvia e bem sucedida. Em primeiro lugar, é preciso obter a adesão incondicional das pessoas que vão assumir a responsabilidade pelos factos ocorridos. É preciso isolar o problema e a responsabilidade; em pessoas que se sintam apoiadas pela organização. Para isso, presumo que a Murdoch, para além de um futuro profissional promissor, lhes terá oferecido aquilo de que mais precisam neste momento, uma defesa jurídica eficaz. Neste sentido, penso que não se pouparão a despesas. Desta forma, Murdoch assegurar-se-á também de que os advogados que aconselham os arguidos têm em conta os interesses gerais do grupo.

No que diz respeito ao resto da equipa, basta assumir um compromisso mais ou menos explícito para o futuro. Ninguém morde a mão que o alimenta.

Steven Fink, acha que fechar o News of the World foi um erro. O que é que acha?

Steven Fink limitou-se a uma análise superficial das consequências de um dos muitos cenários possíveis que a equipa de Murdoch teve de enfrentar. Um cenário é uma descrição do que poderia acontecer. Assim, manter o negócio do News of the World nessa altura, entre outras coisas, teria significado:

  • Acrescentar dificuldades ao fecho da operação de compra da BSkyB, um canal de televisão com uma facturação de 6 mil milhões de euros por ano, não sacrificando, temporariamente, um negócio com uma facturação de 150 milhões de euros por ano, estrategicamente considerado em declínio. Por outras palavras, “pôr em risco a rainha, por não querer sacrificar um peão”.
  • Sujeitar o jornal, enquanto durar a crise, a uma erosão da sua imagem e credibilidade muito maior do que manter o cabeçalho em standby.
  • Não assumir qualquer responsabilidade pessoal perante a opinião pública.
  • Transferir a responsabilidade para um grupo específico de pessoas, e não para uma “entidade abstracta”, o jornal.
  • “Criminalizar”, aos olhos da opinião pública, uma parte do pessoal do jornal, cuja colaboração é considerada essencial para tentar isolar o problema.
  • Perder a oportunidade de transmitir aos poderes públicos, de forma velada, as consequências, em termos de emprego, que uma pressão excessiva sobre um grupo empresarial que emprega mais de 50.000 pessoas em todo o mundo poderia ter; ao mesmo tempo que chamar a atenção de 200 trabalhadores para a importância, para o seu futuro profissional, de cerrar fileiras perante o problema.
  • Suportar a “publicidade negativa” adicional de milhões de exemplares do jornal, o foco do problema, nos pontos de venda. Aquilo a que Fink chamaria, se tivesse pensado nisso, expor publicamente “o corpo juntamente com a arma”.
  • Expor-se publicamente à punição dos leitores do jornal, que se tornaria evidente para a opinião pública com uma queda significativa nas vendas, entrando numa dinâmica negativa de perda gradual de tiragem.

Neste ponto, surgiria um novo foco de decisão que levantaria dois novos cenários: se não fecharmos o News of the World, mantemos a actual linha editorial do jornal e arriscamo-nos a ser prejudicados durante o processo, ou transformamos o jornal para evitar problemas e depois arriscamo-nos a ser expostos e a perder os nossos leitores?

… e assim por diante, até onde se estiver disposto a ir na análise. A própria equipa de Murdoch levará anos a saber se a decisão foi certa ou errada, e nunca poderá ter a certeza de quais teriam sido os resultados se tivesse tomado uma das muitas decisões alternativas.

Está a falar de cenários?

Embora possamos ter a certeza de que, após um número suficiente de rotações da roleta, o número de vermelhos e pretos, pares e ímpares, se aproxima dos 50%, é-nos materialmente impossível prever o resultado da próxima volta. Nem sequer podemos ter a certeza de que será uma das duas opções mais prováveis, pois é possível que saia o zero.

Uma crise é uma incerteza que resulta de um desvio importante no ambiente e que ameaça o futuro e mesmo a sobrevivência da organização. São geralmente situações muito complexas cujo resultado é completamente imprevisível. Tentar prever o que vai acontecer é oferecer uma visão simplista e estática do futuro. É, pois, necessário intuir os diferentes cenários prováveis e, se possível, também os cenários possíveis, e preparar estratégias de resposta adequadas a cada caso.

Quais são os diferentes cenários que se avizinham para Murdoch?

A essência do marketing pode ser definida como o senso comum aplicado aos negócios. Se conseguirmos sentir o que o nosso público-alvo sente, em tudo o que fazemos ou dizemos, estaremos a acertar. Mas, perante a evidência de que isso é materialmente impossível, entram em acção as técnicas de investigação e a estratégia. Determinar os possíveis cenários de crise é uma tarefa simples mas árdua. O melhor é rodear-se de uma equipa grande e diversificada de pessoas que possam trazer diferentes perspectivas para a questão.

Com esta ressalva, sem a qual a minha análise seria tão imprudente, infundada e sem fundamento como outras que têm sido feitas, limitar-me-ei a chamar a atenção para dois riscos que, na minha opinião, já marcaram a primeira fase da crise e que, se não forem devidamente tratados, após este período de férias de Agosto, poderão complicar a situação da equipa de Murdoch.

Em primeiro lugar, é evidente que, se os meios de comunicação social não se pronunciassem sobre o assunto, a crise desvanecer-se-ia rapidamente. A este respeito, posso presumir que a simpatia por mim, pelos meus colegas da Lexicon e da Edelman, deve ser semelhante à que existe por Murdoch e pelo seu grupo no resto dos meios de comunicação britânicos, australianos e americanos, ou seja, nenhuma. Como dizemos há muito tempo, muito antes de a Burson Marsteller começar a dizê-lo, as bases para resolver uma crise são lançadas antes de ela acontecer; por isso, não quero perder a oportunidade de convidar os meus colegas para tomar um café e falar sobre o futuro (brinca Jaime Avila).

Em segundo lugar, como comentou há alguns dias num artigo publicado na sua revista, o caso Murdoch está a ser utilizado pela classe política de meio mundo, principalmente por David Cameron no Reino Unido, para tentar desferir um golpe na liberdade de imprensa. Neste sentido, o melhor cenário que se pode apresentar a Murdoch, a curto prazo, é que os conflitos sociais em Inglaterra se radicalizem e se prolonguem no tempo. Para já, os manifestantes conseguiram desviar a atenção de Cameron dos meios de comunicação tradicionais para a Internet e a telefonia móvel. Parece que o que é realmente importante agora é controlar as redes sociais e os serviços de mensagens.

Assim, por um lado, temos os meios de comunicação social dispostos a difundir e a magnificar a notícia e, por outro, dois possíveis factores de desencadeamento, o interesse político e a actualidade do próprio processo penal.

Como pensa que a agitação social irá afectar o caso Murdoch?

A agitação social pôs sem dúvida em evidência os graves problemas sociais existentes na Grã-Bretanha, o que, na minha opinião, tirou o foco do caso Murdoch. Por outro lado, David Cameron fez novos inimigos ao confrontar directamente a polícia e grandes sectores da sociedade britânica. Penso que, após os motins, Murdoch enfrenta um David Cameron enfraquecido, que perdeu a sua credibilidade aos olhos de amplos sectores da opinião pública e que tem demasiadas frentes abertas, pelo que necessitará do apoio dos meios de comunicação social. O cenário actual é mais favorável a Murdoch do que se poderia esperar no início de Agosto.

O que é que vai acontecer a seguir e como é que a News Corporation deve actuar?

Embora, como já referi, seja materialmente impossível prever o futuro, é possível influenciá-lo. Por outras palavras, embora seja impossível saber o resultado do próximo lançamento, é possível lançar a moeda de forma a forçar um determinado resultado. Para nos aproximarmos do resultado desejado, temos de favorecer certas condições que nos permitem influenciar o futuro. Neste momento, é do interesse de Murdoch:

  • Prolongar o debate social sobre os acontecimentos do início de Agosto e sobre o controlo administrativo das redes sociais, o direito dos indivíduos a difundir e a receber informações através de qualquer meio, a presunção de inocência dos utilizadores de tecnologias…
  • Envolver os meios de comunicação social na defesa da liberdade de expressão, face a qualquer tentativa do executivo de aproveitar este facto isolado do News of the World para criar um clima de alarme social que justifique uma intervenção.

E tem capacidade mais do que suficiente para o fazer.

Ao mesmo tempo, creio que Murdoch terá planeado uma manobra de prestidigitação o para isolar definitivamente o problema na sua própria pessoa. Desta forma, ao retirar-se da gestão do Grupo, poderia assumir pessoalmente toda a responsabilidade social e deixar uma nova equipa ao leme da News Corporation livre de qualquer tipo de responsabilidade. A este respeito, Rupert Murdoch já deu os primeiros passos ao declarar, a 11 de Agosto, que, em caso da sua saída definitiva, o director executivo da News Corp, Chase Carey, será a pessoa escolhida para o substituir.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, as manifestações públicas de arrependimento de Murdoch surgiram depois de a News Corp. ter contratado a Edelman Communications. Na mesma linha, a revista americana ADweek afirma que até à assinatura do contrato com esta empresa de relações públicas, o magnata australiano e o seu filho, James Murdoch – presidente da News International – recusaram-se a comparecer perante uma comissão parlamentar para dar explicações. O que é que pensa sobre isto?
agenciascomunicacion.com - Rupert Murdoch se rodea de profesionales

Não acredito que uma pessoa como Murdoch e a equipa que o rodeia se rendam incondicionalmente às decisões de uma agência externa. Murdoch tem plena consciência de que as consequências desta crise vão ser pagas por ele, pela sua família e pelo seu grupo empresarial, pelo que será sempre ele a tomar as decisões. A figura da Edelman parece-me ser apenas mais um conselheiro a ouvir antes de tomar uma decisão.

Mas, para mim, o que é realmente impressionante neste caso é que, quando um meio de comunicação recolhe uma informação deste tipo, é porque alguém a divulgou e, neste caso, o único beneficiário de tais declarações seria o próprio Edelman. Murdoch é um homem ancião que foi humilhado publicamente numa manobra orquestrada pela classe política britânica para desviar a atenção do público dos graves problemas sociais e económicos que o país atravessa. Esta é a mensagem que deveria ter sido divulgada aos media e não a de um homem arrogante que, até à chegada de Edelman, se recusou a cooperar com o governo.

Teria aconselhado Murdoch a ir testemunhar no Parlamento?

Não creio que tivesse tido a oportunidade de o aconselhar. A certa altura, estou convencido de que toda a gente, a começar pelo próprio Murdoch, estava plenamente consciente de que não havia outra alternativa. O facto de não terem gostado de participar numa tal pantomima, compreendo-o, eu também não e não tenho nada a ver com isso.

Em todo o caso, a estratégia de comunicação deve ser adaptada às características do porta-voz que a deve defender, ou vice-versa. Nesta ocasião, Murdoch foi o porta-voz perfeito para a situação. Sob a pele de um velho venerável, “arrastado para uma situação humilhante” por políticos incapazes de proteger sequer a sua integridade física, esconde-se um grande negociador habituado a lidar com situações complexas, um homem muito persuasivo e extremamente inteligente.

E os programas de formação de porta-vozes?

São óptimos para preencher os currículos e, com o tempo, a prática e o trabalho, polir os defeitos e melhorar certos aspectos. Mas um porta-voz deve, acima de tudo, transmitir credibilidade e a única maneira de o fazer é ser você mesmo. Um dos maiores erros que as agências cometem é tentar fazer com que as pessoas actuem durante as suas intervenções públicas. São gestores, não actores, e em caso de crise, têm muito em jogo perante um público extremamente crítico e desconfiado.

Muito obrigado por todas as informações que nos forneceram e aguardamos com expectativa a continuação da vossa cooperação.

Muito obrigado por me ter dado esta oportunidade.

Entrevista com Jaime Ávila Rodríguez de Mier
Director-Geral de Recursos do Mercado
Publicado em 6 de Setembro de 2011 na revista:

 

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